sábado, 23 de agosto de 2014

O uivo da Górgona - parte 6




A mulher ainda se debateu um pouco mais, até soltar um último urro final, que parecia misturar dor e desespero. Então a multidão começou a se afastar dela. Cada um trazia algo na mão. Inicialmente Edgar achou que a tivessem roubado, então olhou direito. Foi a menina com a boneca que o fez perceber o que estava acontecendo.
(oh, meu Deus, oh meu Deus, não!)
Ela se afastou carregando algo na mão e levando à boca, como se fosse um pirulito. Mas não era um pirulito, ou um picolé, era
(oh, não, oh não!)
Um dedo humano. Era um dedo humano. Da mulher que fora encoberta pela horda. Edgar ainda podia ver o esmalte vermelho na unha, agora já desgastado.
A menina o levava à boca e chupava e lambia, como se fosse uma iguaria. Então colocou-o todo na boca, com a voracidade de que não come a meses. O dedo era grande demais para sua boca pequena, mas ela o mastigava abrindo e fechando muito a boca, o sangue escorrendo de seus lábios.
Uma mulher se apropriara do fígado e parecia não se decidir entre mastigar e lamber o sangue que escorria. Outro dos zumbis tentou roubar-lhe o pedaço escarlate de carne, mas ela o repeliu com um rosnado. Este voltou ao seu pedaço de carne e a esqueceu. Devia ser um dos seios e ainda trazia consigo uma parte do tecido da blusa, mas o homem comia assim mesmo, sem fazer qualquer distinção entre roupa e carne.
Edgar fechou os olhos da menina em seu colo, apertando-a contra seu peito, mas até mesmo ele tinha que se segurar para não vomitar com a imagem da multidão se fartando com aquele banquete nojento.

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